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05 junho, 2024

Nelson de Castro Senra - Autor de: RAPOSO TAVARES

Nelson de Castro Senra
É Doutor em Ciência da Informação (ECO / UFRJ), Mestre em Economia (EPGE / FGV-RJ) e Bacharel em Economia (UCAM-RJ) Pesquisador e Professor no IBGE (aposentado), por longo tempo, quando atuou nos campos da produção e da disseminação da estatística, daí passando a dedicar-se ao campo da pesquisa sócio-histórica da atividade estatística. Em todos esses campos de atuação é autor de vários livros e textos. Entrementes, atuou numa linha de memórias familiares: 1) Em busca do amanhã (2018), 2) Idas e vindas pelo mundo (2019), 3) Herança do Santo Ofício (2020), 4) Idas e vindas pelo Brasil. Memória quase perdida (2021), 5) A trajetória jurídico-política de um monarquista provinciano: Joaquim Barbosa de Castro, Barão d’Além Paraíba (2023). Além disso, como distração, escreveu algumas pequenas aventuras ficcionais: Confissões de um artista nas brumas e Memórias de um escritor nas sombras (2021; ambos os livros), ao que seguiu O escolhido (2022) e Supressão da escravidão (2023, como uma ucronia). É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro – IHGRJ (onde ocupa a cadeira 38, patrono Noronha Santos).

Neste livro olhei para trás e reencontrei um dos mais notáveis bandeirantes luso-brasileiros que palmilharam nosso território ao tempo colonial – Raposo Tavares. Ele anda esquecido pelos historiadores, ainda que tenha sido peça-chave na definição do território brasileiro da atualidade. Em geral é dado como tendo sido analfabeto, o que dificulta entender como pôde ter ocupado posições que exigiam um mínimo de letras e saberes; sendo fato, contudo, que não há registros diretos de suas bandeiras, nem mesmo de sua vida privada. Além disso, quando visto com os valores do presente, é realçado como um vulgar, mais que isso, como um maldito caçador de indígenas (os povos primitivos), ainda mais, é visto como tendo sido essa a razão primeira, se não única, de suas bandeiras. E assim sendo se vem dando curso a uma “caça às bruxas” típica da Idade Média. Por demais, com suas bandeiras de expansão (ao Sul, ao Norte, através do Centro-Oeste) Raposo Tavares atingiu no coração os interesses (terrenos) da poderosa Companhia de Jesus, e o fez ao destruir as chamadas Reduções Jesuíticas, nas quais indígenas ali “ajuntados” (por livre vontade?) eram ditos “libertados” da “selvageria e barbárie” em que viviam, sob o “domínio obscuro” dos pajés, para então receberem os benefícios da “civilização europeia cristã”. Pois, Raposo Tavares, para retomar aqueles territórios entendidos como luso-brasileiros, agia com força tendo o auxílio de mamelucos e indígenas. Em defesa retórica, os Jesuítas acusavam, a ele, junto a todos que os confrontavam, para denegri-los, de serem judeus ou cristãos-novos. Enfim, este livro olha para o passado com as métricas do passado e não com os valores do presente; aos leitores que ficarem acordes com minhas ideias, deixo meu sorriso; aos que não estiverem concordes, deixo minha paciência, já que não pretendo convencer ninguém. Apenas olhei para trás e o vi como vi.

Entrevista

Olá Nelson. É um prazer contar, novamente, com a sua participação na Revista do Livro da Scortecci
 
Do que trata o seu Livro?
Os livros escolares classificam as bandeiras em três tipos: de prospecção, em que os bandeirantes buscavam explorar metais preciosos; de contrato em os bandeirantes buscavam escravos fugidos e também destruir quilombos; por fim, as de apresamento, em que os bandeirantes buscavam aprisionar indígenas para escravizá-los. Pois o livro contesta esta última classificação e para tanto basta pensar na Linha de Tordesilhas, ao tempo da definição das Capitanias Hereditárias ficando evidente que para os portugueses ela chegava à foz do Prata. Contudo para os espanhóis ela só ia até Cananéia, na ponta extrema de São Paulo, donde toda uma enorme área onde hoje se encontra lato sensu os estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul não eram territórios luso-brasileiros. Sendo então vistos como territórios espanhóis os Jesuítas se deram ao direito de nesses territórios instalaram, à grande, suas Reduções onde impunham aos indígenas a civilização ocidental cristã, afastando-os pela força de seu hábitat. Pois as bandeiras que ali adentravam eram de fato “bandeiras de expansão” pelas quais se retomavam territórios luso-brasileiros, para tanto destruindo essas Reduções Jesuíticas, e delas retirando os indígenas ali aprisionados. Claro, esses indígenas não eram postos em liberdade, mas logo seriam agregados em ulteriores expedições, ambientes em que se punham mais perto de seus hábitats, podendo estar próximos de seus pajés e caciques.
 
Como surgiu a ideia de escrevê-lo e qual o público que se destina sua obra?
A ideia foi a recuperar a imagem de Raposo Tavares um dos mais notáveis bandeirantes à frente dessas bandeiras de expansão, injustamente acusado (junto a outros também) de serem caçadores de indígenas. Por essa acusação se lhes apega acusações de terem sido malvados, pessoas cruéis, vis etc. Contudo, nada é dito contra os Jesuítas que mantinham aqueles indígenas nas Reduções sem que fosse por suas livres vontade, mas antes, que fique claro, por aprisionamento. A má imagem que se dá aos bandeirantes, por suas ações, à época, decorre exatamente da força que os Jesuítas tinham; camufla-se seus objetivos escusos de ocupação de territórios (alguns dizem que para ocupar um poder terreno), explorando os indígenas para tanto, reduzindo os bandeirantes à escória, o que está longe da verdade. Para culminar, os Jesuítas acusaram os bandeirantes que conduziram tais expedições de expansão de serem judeus ou cristãos-novos, à época, a pior das acusações, pois os punham à margem da Sociedade. Enfim, se destina pessoas cultas interessadas em nossa história, a professores e a estudantes. Todos deveriam lê-lo e refleti-lo no sentido de melhor aquilatar o valor que tais bandeirantes tiveram para que tivéssemos o território que temos hoje.
 
Fale de você e de seus projetos no mundo das letras. É o primeiro livro de muitos ou apenas o sonho realizado de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um Livro?
Bom, para começar, nunca tive a oportunidade de plantar uma árvore, embora gostasse de plantá-la. Quanto aos filhos tenho três, já todos os adultos, e tenho um neto australiano. Já sobre livros tenho muitos escritos, a maioria deles feitos sobre a atividade estatística, sempre sob o prisma histórico, desde o Império até os dias correntes; em uma coleção de quatro volumes cobre o período de 1822 a 2002 do fazer as estatísticas brasileiras, e quem esteve à frente dessa atividade. Além disso escrevi inúmeros outros livros sobre assuntos correlatos (educação, município, território, e, pasmes, religião, entre outros), afora biografias de personalidades envolvidas nesse processo. Escrevi textos e livros sobre metodologia e muitos outros. Afora essa temática escrevi memórias de família, envolvendo a “Santa” Inquisição, o período Monárquico brasileiro, sobre viagens ao Brasil e ao Mundo etc. E arrisquei escrever algumas pequenas novelas.
 
O que você acha da vida de escritor em um Brasil com poucos leitores e onde a leitura é pouco valorizada?
Para quem quer e precisa viver da escrita imagino que seja muito difícil. Tudo que fiz no entorno da história das estatísticas fiz enquanto pesquisador e professor no IBGE (aposentado agora há 11 anos). O mais faço por prazer e por vaidade, mais punindo aos amigos, e ficando muito feliz quando algum leitor me lê e me dá um retorno seja de elogio seja de crítica, e não importa de que grau seja.
 
Como você ficou sabendo e chegou até a Scortecci Editora?
Foi-me indicada por uma amiga designer do IBGE, e todos os meus livros feitos já tendo saído de lá foram feitos com essa Editora. Gosto muito. Acho o trabalho muito bom, bem-feito, cuidadoso. Meu relacionamento com todos é o melhor possível. Não sei é o quanto eles me aturam, pois sei que sou muito insistente e apressado, ficando a cobrar em excesso.
 
O seu livro merece ser lido? Por quê? Alguma mensagem especial para seus leitores?
Sim, como disse antes, merece ser lido porque faz uma revisão / releitura da história do Brasil. Mostra que ficar a levar réguas de valores do presente para ler o passado não é corretor, nem justo. O passado se lê com a régua do passado. O que se fez com os indígenas e com os negros no passado foi cruel, sem dúvida alguma, mas que se o veja com a régua do passado. Infelizmente o processo abolicionista não teve prosseguimento, talvez porque os próceres do golpe militar contra a Monarquia não tenham tido interesse nisso, mais voltados ao processo migratório, donde deixaram os negros ao relento. Daí, desde então, o mais cruel, penso eu, foi o descaso no trato (respeito, integração etc.) tanto do indígena quanto do negro ao longo de tantos anos, inclusive em tempos bem próximos de nós, pois já valeria a régua do presente para se julgar as ações. Agora, sim, as omissões foram criminosas.

Obrigado pela sua participação.

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