É do sertão baiano, nascido e vivido numa pequena cidade de nome Itiúba, que quer dizer “abelha dourada”. Professor, Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza. Licenciado em História pela Faculdade de Ciências da Bahia. Especialista em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido com ênfase em Recursos Hídricos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano). Mestrando em Educação e Diversidade pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
É uma obra infantojuvenil que começa interrogativamente e na proporção que as páginas são frequentadas, chega-se à resposta! O autor escreve acerca da necessidade de nos reconhecermos como filho de uma cultura, nesse caso a cultura afro-brasileira. Por consequência, ele retoma suas reminiscências, uma vez que na sua infância não me percebia negro, muito embora os traços ancestrais da negritude estivessem presentes em seus familiares. Portanto, ele só nasceu negro após os seus 16 anos de idade.
Nesse processo de negação da negritude o autor reflete sobre a contribuição da escola, lembrando das aulas de história que cheiravam a sangue do negro escravo, numa divulgação repugnante dos negros sendo violentados na dignidade. Como se perceber negro perante uma educação segregacionista e eurocêntrica, mancomunada com estereótipos racistas?
Aprofundando suas lembranças, o autor, conta que também foi na escola o seu primeiro contato com determinadas obras literárias infantis de Monteiro Lobato, um dos mais influentes escritores brasileiros de todos os tempos, mas que deixou escapar velhas representações racistas em vários trechos de seus livros.
Sim, o autor foi uma criança negra, ainda assim não sabia que era negra e nem podia ser diferente, afinal foi, principalmente, a escola quem o ensinou, por meio de veiculações e reproduções imagéticas do ‘ser’ negro estereotipado e subordinado, o inconsciente recalcamento e inferiorização diante do ‘outro’, fazendo com que essas apresentações e supressões se tornassem mais eloquentes do que se pode compreender no primeiro contato. Isto é, o ingênuo imaginário infantil foi facilmente assolapado pela capciosa ideologia que destitui a identidade negra.
Olá Toni. É um prazer contar com a sua
participação no Blog Divulgando Livros e Autores da Scortecci do Portal do
Escritor.
Do que trata o seu Livro? Como surgiu a ideia
de escrevê-lo e qual o público que se destina sua obra?
O meu livro fala da necessidade de
nos reconhecermos como filhos de uma cultura, nesse caso a cultura
afro-brasileira. Neste sentido, retomo minha história de vida e,
consequentemente, minha implicação com este tema, uma vez que na minha tenra
infância não me percebia negro, muito embora os traços ancestrais da negritude
estivessem presentes em minha bisavó, avô, mãe e pai. Contudo, tenho que
reconhecer que quando os adultos me perguntavam com quem casaria, prontamente
respondia que seria com uma vizinha loirinha de olhos verdes e de pele alva que
também estudava comigo. Após a resposta, podia-se ouvir um coro, declarando-me
como uma criança racista. Definitivamente, faltava-me lucidez para entender o
que significava ser racista, afinal todos diziam que eu era moreno e claro
demais para ser negro. Portanto, só nasci negro após os meus 16 anos de idade.
Neste processo de negação da minha
negritude a escola contribuiu notadamente. As aulas de história, por exemplo,
tinham o objetivo de tornar o africano visível, invisível e descuidado no ponto
de vista etnográfico e antropológico. Eram aulas que cheiravam a sangue do
negro escravizado, numa divulgação horrenda de ilustrações brutais dos negros
sendo espancados, chicoteados e violentados na dignidade. As páginas dos livros
didáticos estavam ensopadas de preconceito subliminar, em que os negros, índios
nunca figuravam como protagonistas e quando surgiam eram em menções inferiores
com relação aos brancos. Não me recordo, de ter visto nos livros de Ciências,
negros desempenhado funções consideradas de prestígio. As imagens, de modo
geral, estampavam o negro serviçal executando cargos “menos nobres” e
submissos. Por que só os brancos podiam ser os cientistas? Como se perceber
negro perante uma educação segregacionista e eurocêntrica, mancomunada com
estereótipos racistas, relacionando crianças negras com doenças e crianças
brancas com higiene e saúde?
Foi também na escola os meus
primeiros contatos com determinadas obras literárias infantis de Monteiro
Lobato, um dos mais influentes escritores brasileiros de todos os tempos, mas
que em alguns livros deixa escapar velhas representações racistas em vários
trechos dos livros. Enquanto criança, eu não tinha maturidade suficiente para
reconhecer a veemência da desqualificação do negro em uma literatura voltada
para a infância e juventude. Entretanto, hoje reconheço o quanto a minha
negritude foi desfigurada, fazendo-me acreditar que ser negro/negra não era
glorioso, causando afastamento e exclusão da própria identidade.
Desse modo, o meu livro (QUEM É ESSE
NEGO?!), pretende ser mais uma opção de leitura para crianças e jovens que
tiveram o seu ‘ser negro’ estereotipado e subordinado a um inconsciente
recalcamento e inferiorizarão diante do ‘outro’, evitando que sejam alcançadas
pela capciosa ideologia do branqueamento que destitui a identidade negra.
Fale de você
e de seus projetos no mundo das letras. É o primeiro livro de muitos ou apenas
o sonho realizado de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um Livro?
Eu sou do sertão baiano, nascido e
vivido numa pequena cidade de nome Itiúba, que quer dizer “abelha dourada”,
localizada aproximadamente 378 km de Salvador. Professor, bacharel em Teologia
pela Faculdade Católica de Fortaleza. Licenciado em História pela Faculdade de
Ciências da Bahia (Faciba). Especialista em Desenvolvimento Sustentável no
Semiárido com ênfase em Recursos Hídricos pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano). Mestrando em Educação e Diversidade
pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) onde eu desenvolvo uma pesquisa
acerca das identidades e cultura afro-brasileira na docência da roça.
A mencionada pesquisa, fez-me, entre
outras coisas, refletir sobre as minhas primeiras experiências de exclusão e
negação que foram ambientadas na escola. Ali, andando pelos corredores, nas
aulas de educação física, na fila da oração ou da merenda eu pude conhecer o
êxito da mentalidade racista e discriminatória que me lançava ao lugar
inferiorizado seja por ser filho de mãe solteira, por ser pobre, por meus
trejeitos efeminados, ou ainda por ser negro.
A escola me ensinou as baixas
classificações que eram atribuídas a mim a partir de uma escala de
desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero, pois conhecer esses
sistemas classificatórios significava conhecer os meus pertencimentos, os
lugares que eu deveria ocupar na hierarquia social e nas estruturas básicas de
minha personalidade. Isto é: não ser oriundo de uma família ‘papai-mamãe’, não
ser rico, não ser branco, não ser heterossexual, tornava-me incapaz de SER
ALGUÉM. Tratava-se de uma inexistência ignorada e impossibilitada, era uma
vida-que-não-podia-ser-vivida além da lógica homogeneizante.
‘Ser-no-mundo’ como ‘alguém’ de
ascendência fincada na DIFERENÇA, muitas vezes, foi experienciar o
constrangimento movido pelo discurso formulado por brados que são ditos,
permanecem ditos e, infelizmente, estão por dizer e ferir. Por consequência,
aprendi a reagir e a contrapor-me! Aprendi, como aluno, a repugnância por todas
as formas de rejeição e descarte da dignidade humana e, assim, aprendi que ser
professor é ser algo a mais.
Enfim, trabalho, corro muito e
escrevo, trocando em miúdos assuntos e notícias que estão espalhados aqui, aí,
ali, lá... postando nas minhas redes sociais e em uma página específica para
textos. Já participei de outras publicações, mas todas relacionadas a trabalhos
científicos. QUEM É ESSE NEGO?!, marca a minha estreia como autor de livros
infantis. Eu espero que seja o primogênito de uma ‘renca’ de filhos!
O que você
acha da vida de escritor em um Brasil com poucos leitores e onde a leitura é
pouco valorizada?
Eu confesso que acho estranho ser
considerado escritor e mais estranho ainda é opinar na condição de um. Então,
prefiro ser apenas um professor que, vez por outra, escreve. Escreve para não
enlouquecer, para comunicar que não morreu e para expurgar os fantasmas e o
medo que tem deles. Escreve como sobrevivência emocional e não como outro tipo
de sobrevivência.
Tenho o mau hábito de julgar o mundo
pelo ‘meu umbigo’, isto é: nasci em uma família pobre e tive mãe professora que
estimulava a minha leitura com jorros de livros. Sou de uma cidadezinha
distante dos centros, no entanto sou impregnado de leitura. Vivi minha infância
na década considerada ‘perdida’ onde a pobreza era bem mais severa e, ainda
assim, tornei-me um leitor subvertendo a lógica. Isso tudo para dizer que eu
não acredito que temos poucos leitores e nem escritores, observem as redes
sociais, estão “pipocando” de letras, palavras, desabafos, textos que são lidos
e compartilhados. A leitura não é desvalorizada no nosso país. A leitura é cara,
burguesa e elitista!
Como você ficou sabendo e chegou até a Scortecci Editora?
Eu tenho uma assinatura no site
‘recantodasletras.com.br’ e, consequentemente, passei a receber e-mails da
Scortecci Editora. Pesquisei e analisei publicações que foram feitas pela
editora e gostei muito do trabalho. Então, não titubeei em confiar o meu livro.
O seu livro merece ser lido? Por quê? Alguma mensagem
especial para seus leitores?
QUEM É ESSE NEGO?! é uma livro
lindo! Eu estou muito orgulhoso do resultado. O livro é agraciado pelas
formidáveis ilustrações do meu colega e conterrâneo Leandro Dyssoli que com
seus traços e cores escreveu um outro livro.
Ele merece ser lido, pois fala da
negritude vitoriosa de um jovem que se glorifica deste nome e que se felicita
do sangue negro correndo nas veias. Trata-se de um livro salutar para o debate
da identidade e ascendência negra, bem como para a compreensão de que a história
dos povos negros é igualmente valiosa.
É uma obra infantil, mas que pode
ser lida por qualquer faixa etária, pois reflete, debate e dialoga em torno dos
ideários de negação e submissão para alcançar a certeza de que ser negro, ser
negra, exige um ânimo descomedido. Entretanto, uma vez que há a aceitação de
sua história e que já não há dor em reconhecer-se membro deste copo negro, vem
o esforço para combater as barreiras discriminatórias e auxiliar no
desenvolvimento de um novo ser humano, capaz de se elevar à altura de seu
destino vencendo os ardis de uma sociedade em evolução.
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